Leandro Teodoro Júnior e Marcela Sorelli Carneiro-Ramos (UFABC).

 

O SARS-CoV-2 possui um grande desafio no que se refere à sua identificação in vivo, ou seja, sua identificação no corpo de uma pessoa infectada. É sabido que o principal componente de sua estrutura externa, a proteína spike é o principal local de interação com células pulmonares e renais. Além disso, o próprio material genético do vírus pode ser utilizado como meio identificador de contaminação. 

 

Figura 1. Proteína Spike se ligando ao receptor ACE2 e sendo ativada pela proteína TMPRSS2, presente nas células pulmonares, para iniciar processos de fusão e infecção, liberando assim seu material genético dentro da célula. Adaptado de The University of Tokyo.

 

Com isso, temos dois principais métodos de identificação do Novo Coronavírus: métodos moleculares, com base na informação genética do vírus, e sorológicos, baseado na resposta imunológica do paciente. Mas como são os métodos de identificação? Antes de tudo, precisamos entender alguns conceitos básicos sobre o material genético e como é possível detectar a presença de material genético viral em amostras de pacientes.

  • A informação genética e sua duplicação

Todo ser, vivo ou “no limite da vida”, possui moléculas de informação genética, ou seja, estruturas químicas que fornecem a informação para aquele ser desenvolver suas principais funções, como reprodução, sobrevivência e realizar inúmeros processos celulares. Essas moléculas podem ser, no caso dos vírus, tanto de DNA quanto de RNA. Para um vírus se multiplicar, é necessária a duplicação do seu material genético e, essa duplicação, depende da maquinaria celular da célula infectada. A célula possui diversas estruturas, conhecidas como organelas, que atuam como se fossem pequenos órgãos, desenvolvendo funções específicas. Dentre essas organelas, temos o núcleo e o retículo endoplasmático que executam boa parte da estruturação de novas partículas virais. No caso do Novo Coronavírus, após infectar células, ele utiliza organelas como o núcleo para duplicar seu material genético. Após infecção, o núcleo infectado origina constantemente novas moléculas de RNA viral. Portanto, uma das formas de detecção do Novo Coronavírus é justamente quantificar a presença de material genético viral na amostra de paciente. Para entendermos melhor como é realizado o teste molecular, precisamos relembrar a estrutura do material genético.

  • Estrutura do material genético e técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)

O DNA (dupla fita) é uma molécula muito complexa e, ao mesmo tempo, muito simples. Sua estrutura química é dada pela presença de um carboidrato (açúcar), unidades básicas chamadas bases nitrogenadas (Adenina, Citosina, Guanina e Timina) e fosfato. Essas bases se conectam uma nas outras, A com T e C com G, por meio de ligações de hidrogênio, fazendo com que as duas fitas permaneçam conectadas, conformação conhecida como dupla hélice. 

 

Figura 2. Representação esquemática da dupla hélice de DNA, evidenciando sua complementaridade de bases nitrogenadas. Fonte: SLATER, G.W. Simulation of polymer translocation through small channels: A molecular dynamics study and a new Monte Carlo approach. Adaptado.

 

O PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction (Reação em Cadeia da Polimerase) é uma técnica utilizada em laboratórios de biologia molecular a fim de se amplificar (aumentar) partes de um material genético de interesse para facilitar sua visualização. Para isso, o material a ser analisado é colocado em uma máquina que simula o ambiente celular e que possui todos os substratos necessários para a confecção de uma nova fita acontecer, tendo como molde, a fita inicial presente na amostra. É uma técnica amplamente utilizada em laboratórios de pesquisa e criminalística, quando se tem amostras escassas de um material biológico como por exemplo, sangue, fluidos corporais, entre outros. Assim, a técnica de PCR aplicada na identificação de COVID-19 utiliza o material genético coletado (que pode conter ou não material viral) e uma sequência de iniciadores (primers) específica para o vírus, a fim de gerar novas moléculas de DNA (amplificação) contendo material genético de interesse. Após o processo de amplificação, o DNA gerado pelo método de PCR será idêntico ao material genético original, devido a complementaridade das fitas de DNA. No entanto, o Novo Coronavírus é um vírus formado por um material genético composto por RNA (fita simples) e, considerando que a técnica de PCR depende da ação de uma enzima capaz de reconhecer somente DNA (dupla fita), é utilizada uma ferramenta adicional: a transformação do RNA em uma fita de DNA complementar através de um processo chamado de transcrição reversa. Para isso, os pesquisadores usam uma enzima chamada transcriptase reversa, que converte fitas de RNA em fitas de DNA. Com o material genético do vírus transformado em DNA e devidamente amplificado por PCR, os pesquisadores conseguem verificar se existem regiões genéticas que só pertencem ao Novo Coronavírus, uma vez que os iniciadores (primers) da reação de PCR, são específicos para o vírus. Para que essa técnica seja rápida, um tipo específico de máquina de PCR é utilizada, o PCR em tempo real, que permite ao pesquisador uma visualização rápida, em tempo real, da amplificação do material genético desejado.

 

Figura 3. Reação de transcrição reversa. A partir de uma molécula de RNA (fita simples) é possível gerar uma molécula de DNA (fita dupla), complementar, ou seja, contendo as mesmas informações genéticas. Fonte: Dos autores.

 

DIAGNÓSTICO MOLECULAR

E como é realizado o teste para identificação da contaminação pelo Novo Coronavírus por PCR?

i. É coletada a amostra da pessoa que possivelmente está infectada com o Novo Coronavírus. Essa amostra pode ser de saliva, sangue, muco nasal etc.;

ii. É realizada a extração do RNA total da amostra (RNA total do paciente e RNA total do vírus, em caso de infecção);

iii. Após extração do RNA total da amostra, é realizada a reação de transcrição reversa para que todo conteúdo genético seja convertido em DNA e, em seguida, é realizada a técnica de PCR;

iv. Esse processo dura cerca de duas horas e, caso seja identificado as sequências específicas do vírus, o responsável fornece o laudo como positivo para o Novo Coronavírus.

 

O PCR é a técnica mais sensível para identificação de contaminação pelo SARS-CoV-2. Infelizmente, o custo para execução da técnica é elevado, dificultando o diagnóstico molecular em larga escala.

DIAGNÓSTICO POR SOROLOGIA 

Além do diagnóstico molecular, é possível identificar se o paciente esteve em contato com o vírus através da presença de anticorpos presente no sangue circulante. Da mesma forma que inúmeras outras doenças, a pesquisa de anticorpos específicos é capaz de informar se o indivíduo desenvolveu resposta imunológica ao agente agressor, nesse caso, o Novo Coronavírus. Os testes de sorologia identificam anticorpos comuns, sobretudo os denominados IgM (indicador da fase aguda da doença, 5 a 7 dias após infecção) e IgG (Indicador que o indivíduo  já está, teoricamente, imunizado). São utilizados kits comerciais para detecção desses anticorpos e possuem preço mais acessível que a técnica de PCR citada anteriormente.

Para realização do teste sorológico, é necessário coletar amostra de sangue do paciente e extrair o soro, através da centrifugação do sangue total. Em seguida, amostra de soro é colocada em contato com os anticorpos específicos e, caso haja a presença do antígeno (vírus), este irá se ligar ao anticorpo específico, promovendo alteração no padrão de marcação, quando comparado com os controle do kit. 

 

 

Figura 4. Teste sorológico rápido para detecção de anticorpos em pacientes com sintomas de COVID-19. Os resultados considerados como inválidos são aqueles que não possuem linha de controle (C). O resultado negativo, por sua vez, apresenta apenas a linha de controle, não evidenciando linhas positivas para IgG (G) e IgM (M). Os positivos apresentam linhas G, M ou ambas. Fonte: ZABLON, F.M. COVID-19 IgG/IgM Rapid Test for antibodies detection. Adaptado.

 

Ambos diagnósticos, molecular e sorológico, são importantes e relevantes dependendo da informação que se pretende alcançar e a disponibilidade de recursos materiais. Sem dúvida, a especificidade e sensibilidade da técnica de PCR, é o padrão “gold” para detecção do Novo Coronavírus na população mundial.