Como dados corretos geram reações programadas

Clayton Biscalchini

Desde o início de 2021 diversos veículos de informação de todo o mundo noticiaram que ao menos 240 cidadãos israelenses vacinados contra a COVID-19 se infectaram com a doença. O dado é do Channel 13, canal de notícias israelense, e foi reproduzido por veículos brasileiros como Jornal do Brasil, IG e Exame, todos referenciados ao fim do texto, além de outros omitidos por possuírem menor projeção ou por envolvimento em disseminação de notícias de veracidade duvidosa. De qualquer maneira, o número é noticiado de maneira alarmante: 240 pessoas não foram protegidas pela vacina, gerando preocupação, desconfiança, e questionamentos sobre sua eficácia. Ao menos essa é a reação esperada e disseminada nas redes sociais; entretanto, podemos ir além do dado de 240 infectados e transformá-lo em uma informação mais completa e bem menos alarmante.

No início do ano, veículos como o UOL divulgaram que Israel havia vacinado mais de 10% de sua população. Vamos tomar o piso dessa informação e supor que exatamente 10% foi vacinado. Além disso, podemos consultar o Banco Mundial para obter um valor para a população de Israel em 2018.


Perceba que a curva apresenta tendência crescente, portanto, não é de se espantar que a população atual seja maior do que os 8,884 milhões de habitantes. Esse detalhe é importante, e será retomado futuramente.

Sabendo que a população de Israel é composta por 8,884 milhões de pessoas, podemos facilmente encontrar o número de vacinados: basta descobrirmos 10% dessa população; logo, temos que o total de israelenses vacinados é em torno de 888.400 pessoas. Além disso, sabemos que ao menos 240 dessas 888.400 pessoas foram infectadas pós-vacina. Utilizando uma simples regra de três, encontramos que essas 240 pessoas correspondem a aproximadamente 0,03% dos vacinados, arredondando esse valor para cima.

A Pfizer, desenvolvedora da vacina aplicada em território israelense, relata que a mesma possui 95% de eficácia em até 28 dias após a aplicação da primeira dose. Assim, o número esperado de pessoas que não seriam imunizadas mesmo vacinadas seria de 5% sob essas condições, bem distante dos 0,03% relatados. Além disso, como apontado, a população utilizada foi a de 2018. Sendo que a curva apresenta tendência de crescimento, a população em 2020 tende a ser maior, o que implica que 10% dessa população é maior do que os 10% de 2018, fator que mostra que a porcentagem dos vacinados infectados é ainda menor do que 0,03%.

Colocando os valores em contexto e os comparando, não só estão dentro do esperado de infecções de pessoas vacinadas como estão absurdamente abaixo do esperado. Em outras palavras, as 240 pessoas infectadas por COVID-19 após a vacinação não deveriam gerar preocupação generalizada de forma alguma e não colocam em xeque a eficácia da vacina produzida ou de qualquer outra vacina contra a doença, mesmo que as manchetes queiram que o leitor sinta-se dessa maneira. Além disso, a vacinação teve início no dia 20 de dezembro, isto é, as condições para a eficácia de 95% não foram atingidas, uma vez que não se passaram 28 dias da aplicação da primeira vacina até a publicação das notícias sobre os infectados e mesmo assim o valor de infectados continua sendo minúsculo em comparação com o esperado de uma eficácia reduzida.

Não é novidade que a estatística é uma das áreas mais injustiçadas da matemática. No clássico “Como mentir com estatística”, o jornalista Darrell Huff discorre sobre situações onde números e dados são utilizados de maneira a induzir reações específicas, de acordo com o desejo dos divulgadores desses dados. Huff em pessoa fez o mesmo quando utilizou a estatística a seu favor para descredibilizar a relação entre tabaco e doenças respiratórias, relação essa que nenhum cientista em 2021 negaria.

Mesmo sendo publicado pela primeira vez em 1954, a obra de Huff continua sendo um alerta sobre o uso da estatística em meios midiáticos e de como um dado correto pode ser interpretado de diferentes maneiras, a fim de manipular a reação do leitor. Neste texto, exploramos uma ocorrência recente que cabe perfeitamente no escopo de seu livro, e diversas outras podem ser encontradas diariamente em seus jornais e noticiários.