A matemática, por muitos temida, mostra-se mais presente em nosso cotidiano do que pensamos. Ao estudá-la, uma dúvida que nos cerca é identificar onde ela está presente e como podemos usá-la de maneira a compreender o ambiente e os problemas que estão ao nosso redor. De modo a tentar sanar parte dessa dúvida e apresentar uma de suas aplicações em meio ao cenário atual, veremos como podemos utilizar conhecimentos geométricos para um melhor entendimento dos vírus.

Retirado de Pinterest.

 

Os Primeiros Registros Sobre Estruturas Virais

A década de 1930 foi marcada pela introdução de um instrumento que revolucionou a virologia: o microscópio eletrônico. Sua grande capacidade de ampliação permitiu a visualização direta de partículas virais pela primeira vez. O primeiro registro sobre a simplicidade estrutural dos vírus ocorreu em 1935, quando Wendell Stanley obteve cristais do vírus do mosaico do tabaco. Naquela época, nada se sabia sobre a organização estrutural de quaisquer macromoléculas biologicamente importantes. Diversas imagens de partículas diferentes de vírus confirmaram muito do que se sabe hoje a respeito dos mesmos. Muitos apareceram como partículas helicoidais ou esféricas regulares. A descrição da morfologia das partículas de vírus possibilitada pela microscopia eletrônica também abriu caminho para a primeira classificação racional dos vírus.

 

Estrutura e Classificação dos Vírus

Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e são encontrados em uma incrível variedade de tamanhos e formas. A estrutura básica de um vírus é composta por uma molécula de informação genética e uma camada de proteína que protege essa molécula de informação. A maneira como estão organizadas a camada de proteína e a informação genética é apresentada de diversas formas. O núcleo do vírus é constituído por ácidos nucleicos, que compõem a informação genética na forma de RNA ou DNA. A camada de proteína que envolve e protege os ácidos nucleicos é chamada de capsídeo. Quando um único vírus está em sua forma completa e atinge a infectividade total fora da célula, este passa a ser chamado de vírion. A estrutura do vírus pode ser uma das seguintes: icosaédrica, helicoidal, envelopada (ou encapsulada) ou complexa.

Icosaédrica

Esses vírus se assemelham a uma esfera, porém, ao analisá-los de maneira minuciosa, é possível perceber seu real formato. O icosaedro é uma figura espacial que possui 20 faces, sendo o icosaedro regular um dos cinco sólidos platônicos (sólidos em que todas as faces são polígonos idênticos) e constituído por 20 triângulos equiláteros (triângulos que possuem três lados de mesma medida e, por consequência, três ângulos de mesmo valor). O triângulo, por sua vez, é um polígono que possui três lados e três ângulos, que juntos somam 180º.

Fonte: Do autor.

 

Esta é a melhor maneira de formar uma concha fechada usando subunidades proteicas idênticas. O material genético se encontra totalmente fechado no interior do capsídeo. Os vírus com estruturas icosaédricas são liberados no meio ambiente quando a célula morre, se decompõem e se dissolvem, liberando os vírions. Alguns exemplos de vírus com estrutura icosaédrica são os poliovírus, rinovírus e adenovírus.

Estrutura do Rinovírus. Morgridge Institute of Research.

Helicoidal

Essa estrutura possui um capsídeo com uma cavidade central ou tubo oco, que é produzido por proteínas dispostas de forma circular, criando um formato de disco. As formas do disco são fixadas helicoidalmente (como uma mola), criando um tubo com espaço para o ácido nucleico no meio. Podemos relacionar seu capsídeo com um tubo cilíndrico. O cilindro é uma figura espacial que possui duas bases circulares e paralelas entre si e possui o mesmo diâmetro (qualquer segmento de reta que toque a circunferência em dois pontos distintos e passe pelo seu centro) ao longo de todo seu comprimento. É entendido como um sólido de revolução, ou seja, ao pegar um retângulo e girá-lo em torno de um eixo, obtém-se um cilindro. O retângulo é um polígono caracterizado pela presença de seus 4 ângulos retos (ângulos de 90º) e pela igualdade de seus lados opostos.

 

Fonte: Do autor.

 

Todos os vírus filamentosos têm forma helicoidal. Um exemplo de vírus helicoidal é o vírus do mosaico do tabaco.

 

Vírus do mosaico do tabaco. Morgridge Institute of Research.

 

Envelopada

Essa estrutura pode ser uma estrutura icosaédrica ou helicoidal convencional que é cercada por uma membrana de bicamada lipídica, ou seja, o vírus encontra-se envolto. Essa estrutura se assemelha a uma esfera. A esfera é uma figura espacial e pode ser definida como um conjunto de pontos que distam do centro a uma mesma medida. É, também, uma figura de revolução e pode ser obtida por meio da rotação de um semicírculo em torno de um eixo. O semicírculo é uma figura plana que forma a metade de um círculo. O círculo, por sua vez, é um conjunto de pontos limitados por uma circunferência, a qual é, também, um conjunto de pontos, mas que distam a mesma quantidade do centro (pode ser entendida como uma “borda”). 

Fonte: Do autor.

 

Fonte: Do autor.

O envelope do vírus é formado quando o vírus está saindo da célula por brotamento e a infectividade desses vírus depende principalmente do envelope. Os exemplos mais conhecidos de vírus envelopados são o vírus influenza, Hepatites B e C e HIV.

 

Estrutura do vírus da Hepatite B. Retirado de PNGWing.

Complexa

Essas estruturas virais possuem uma combinação das formas icosaédrica e helicoidal e podem apresentar uma complexa parede externa ou morfologia da cauda à cabeça. A estrutura morfológica da cauda à cabeça é exclusiva para vírus que infectam apenas bactérias e são conhecidos como bacteriófagos. A cabeça do vírus tem uma forma icosaédrica com uma cauda em forma de hélice. O bacteriófago usa sua cauda para se ligar à bactéria, cria um buraco na parede celular e depois insere seu DNA na célula, usando a cauda como canal. O Poxvírus é um dos maiores vírus em tamanho e possui uma estrutura complexa com uma parede externa e um capsídeo exclusivos. Um dos tipos mais famosos de poxvírus é o vírus da varíola.

 

Estrutura viral de um Bacteriófago. Morgridge Institute of Research.

O Novo Coronavírus

O Novo Coronavírus, ou SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus-2), é um vírus da família dos coronavírus, que causa a doença respiratória COVID-19. Os coronavírus possuem uma estrutura helicoidal envelopada.

Retirado de VectorStock.

Eles receberam seu nome devido às protuberâncias em forma de espinho, que criam o efeito de uma “corona”, coroa em latim. 

E qual a consequência disso?

Em sua superfície, o vírion apresenta três proteínas principais: a proteína de envelope E, uma glicoproteína (proteína que possui ligações com açúcares) chamada esterase e a proteína de “espículas” S. Estas encontram-se incorporadas na bicamada fosfolipídica de seu envelope. A proteína S forma as protuberâncias em forma de coroa e também reconhece o receptor correspondente em células humanas, denominado ACE-2. O ACE-2 quebra a proteína S e permite que esta liberte uma partícula química que leva à fusão do vírus com a célula humana. A estrutura geométrica viral, assim, é de grande importância para o vírus, propiciando sua infectividade e, também, para os seres humanos: apenas com a total identificação da estrutura viral há de se ter mecanismos eficientes para o combate ao Novo Coronavírus.

Adaptado de The Lancet.

Escrito por Gabriel Cafeu Brandão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BBC News World. O que a COVID-19 faz com seu corpo? Disponível AQUI.

FLINT, J. Principles of Virology, 4. Ed, ASM Press, 2015. 574 p.

MORGRIDGE INSTITUTE OF RESEARCH. Viral Structure. Disponível AQUI.